segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Singularismo Bush versus Obama

A impossibilidade de julgar eventos que ainda não ocorreram é evidente. Contudo, a avaliação do conteúdo do discurso de uma figura política dá azo a diversas interpretações do que é dito, tanto implícita como explicitamente. Consoante essa avaliação ficamos perante possíveis caminhos a percorrer tanto no campo da política doméstica como externa. No caso do presidente-eleito Obama, probabilidades e ideias-comuns perderam muito do seu peso. Obama, filho de um casal interracial americano, com uma infância humilde, conseguir chegar ao posto mais alto do executivo da nação-estado mais poderosa do planeta é um feito histórico. Não tanto demarca uma quebra com a ideia-comum da presidência americana – que conta com um americano proveniente de uma família estruturada nos fundamentos neoconservadores característicos desse país, caucasiano, educado nas melhores e mais prestigiadas universidades americanas, rico – como demonstra um afastamento da escravatura e segregacionismo outrora vividos. Alguns apontam a vitória de Obama contra McCain como um voto de censura contra o Partido Republicano e, em particular, ao Presidente George W. Bush. Esta vitória não assenta necessariamente no panorama político desse país visto apenas um terço dos eleitores caracterizarem-se como liberais/progressistas, mas na renúncia do ‘singularismo Bush’, na excepcionalidade dos seus dois mandatos como Presidente. Este singularismo denuncia-se pelo uso do chamado ‘hard power’, caracterizado pelo uso do confronto e por intervenções militares. Toda a argumentação de Obama, exemplo de mudança e quebra com o status quo, depende de considerarmos a América sob o controle de W. Bush como um soluço a dois tempos – um equívoco de dois mandatos – ou uma continuação do exercício hegemónico americano. Costumes à parte, pergunto-vos o seguinte: que Presidente americano bombardeou o Iraque, atacou o Afeganistão e começou uma guerra sem o aval do Conselho de Segurança das Nações Unidas? Decerto a resposta que a muitos ocorreu foi W.Bush, prova da tal ideia de ‘excepção’, de quebra com uma política externa americana mais suave. Àqueles que responderam W. Bush digo-vos que estão equivocados, pois foi Bill Clinton quem o fez em primeiro lugar. Clinton bombardeou o Iraque usando argumentos semelhantes ao que W. Bush viria a usar – que Saddam Hussein não deveria ser capaz de intimidar as nações-estado vizinhas com armas nucleares e biológicas – atacou o Afeganistão e o Sudão em 1998 em resposta a ataques terroristas contra embaixadas americanas em África e, em 1999, atacou a Jugoslávia sem o aval do Conselho de Segurança. Não é verdadeiro afirmar que W. Bush foi singular nas medidas que tomou durante os seus mandatos na Casa Branca. No entanto, W. Bush foi singular na maneira como chamou a si o medo sentido na América após os ataques de 11 de Setembro e, em particular, através dos métodos e da eloquência – ou falta dela – quando justificou as acções que viria a tomar em relação ao Afeganistão e Iraque. A questão que colocamos é se a presidência Obama será porventura um exemplo de ruptura com o passado. Não tendo ainda obra feita – sem contar com os pequenos passos dados como a escolha de alguns elementos para o seu governo como é o caso de Hillary Clinton – podemos apenas analisar discursos, manifestos políticos e intervenções feitas por Obama. Em agosto de 2007, num discurso que fez sobre segurança, clima e energia, Obama deixou transparecer o seu lado mais realista. Falando do incremento no número de conflitos a nível global devido às mudanças climáticas e nos possíveis 250 milhões de ‘refugiados climáticos’, Obama retorquiu que a responsabilidade de liderar os esforços globais caiam sobre os Estados Unidos da América pois são actualmente o maior produtor de gases nocivos para o ambiente. Não obstante, assegurou momentos depois que a China ultrapassará a América em pouco tempo no que toca a este assunto. Ora Obama admite as falhas dos governos que o antecederam, como a não ratificação do protocolo de Kyoto, peça fundamental na luta contra a crise ambiental, assumindo assim um papel que o demarca realmente de W. Bush e afins, ora sublinha que dentro em pouco a América já não será a ‘pior’, mas sim estando entre as ‘piores’ e, por conseguinte, um alvo menos válido de críticas. Além do mais, garante que embora o desafio seja avassalador, este trará benefícios para a economia americana. Acrescenta, portanto, que em 2050 o mercado global de ‘energia verde’ terá o valor de 500 mil milhões de dólares, o que trará benefícios para corporações americanas na formulação de (novos) mercados passíveis de exploração. Podemos inferir que o interesse implícito neste discurso é o de acrescentar capital à economia americana mesmo que isso seja à custa de retórica e da exploração do que Obama denomina de ‘exportação de promoções’ para países em vias de desenvolvimento dando azo, assim, à criação dos tais mercados futuros de energia verde. Podemos, contudo, aceitar que toda o conceito de mudança que Obama propôs é mais que mera retórica política. No mesmo discurso, Obama deixa-nos saber que só através do reforço de instituições, de alianças e parcerias, leia-se Organização das Nações Unidas e Parceria Transatlântica Europa-América, é que respostas viáveis aos problemas actuais de ordem internacional podem ser atingidas. Este ressurgimento do supranacionalismo – instituições acima do Estado mas em sociedade com o último – são inequivocamente contrárias às posições de W. Bush. É um avanço claro. Os desafios que enfrentamos nos dias que correm necessitam de respostas que envolvam os vários actores do panorama político, sejam nações-estado, Organizações Não Governamentais (ONG), grupos de lobbying, think tanks e corporações, de modo a coordenar as acções a tomar. Não há espaço para unilateralismo errático quando estão em causa situações que afectam o planeta no seu todo. Não há lugar para mero bilateralismo Europa-América. Não há tempo para novos Iraques; o tempo de agir é agora. A resposta tem de ser sonante, forte, coordenada e sustentada. Embora não considere que Obama seja uma figura transformadora do ponto de vista quase messiânico que lhe foi adjudicado; não obstante considerar que Obama reflecte muitas das características de presidências anteriores, tanto na maneira de pensar como, presumivelmente, de agir, não posso deixar de acreditar que a presidência Obama investirá a América com uma política externa mais vocacionada para a diplomacia e pragmatismo político – soft power – tão necessária para a estabilidade do planeta que chamamos de Nosso. Votaria em ‘Obama’ tanto hoje como, suponho, amanhã.



Rui Gomes
Aluno do 4º ano da University of Stirling (Ciência e Política)

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