A nicotina é uma substância psico-activa que ao ligar-se aos receptores nicotínicos do SNC liberta neuromediadores e induz sensações agradáveis como prazer, modulação de humor, aumento da vigília, excitação, redução do apetite, diminuição da dor, redução da tensão, etc. A capacidade de uma droga gerar dependência depende dos seus efeitos psico-activos e também da rapidez e da intensidade da sua absorção. A nicotina fumada do cigarro demora apenas 7 a 10 segundos a chegar ao cérebro e atinge picos de concentração muito intensos e rápidos, quase imediatos, no sangue e cérebro. Cada “passa”do cigarro é uma dose de nicotina e como um fumador fuma em média 10 passas por cigarro, um fumador de 20 cigarros/dia auto-administra, em média, 200 doses de nicotina diárias! Por outro lado, o tabaco é um produto legal, barato e de fácil acesso.
2. Porque será que alguns fumadores fumam muito e todos os dias, enquanto que outros conseguem fumar poucos cigarros e não fumar todos os dias ou apenas fumar socialmente? Fumar menos tem menos riscos para a saúde?
A maioria dos fumadores são dependentes e fuma regularmente, ou seja, todos os dias (96% dos fumadores europeus). A nicotina é muita aditiva e a maioria das pessoas que experimenta o tabaco vai repetir o consumo e ficar dependente. Alguns fumadores regulares fumam menos cigarros, por exemplo 1 a 5 cg/dia (12% dos fumadores europeus), outros até podem ter um padrão de consumo intermitente (14% dos fumadores europeus) ou ocasional regular (3% dos fumadores europeus), conseguindo não fumar todos os dias, por exemplo só ao fim de semana, quando estão com os amigos, habitualmente quando bebem álcool ou frequentam lugares da diversão nocturna. Estes fumadores são habitualmente adolescentes ou jovens adultos e podem, mais tarde, aumentar o consumo de cigarros ou passar a fumar diariamente. Poucos fumadores conseguem, ao longo da vida, não aumentar o consumo ou manter o padrão intermitente ou ocasional.
Quanto mais cedo se experimenta o cigarro, maior é a probabilidade de se tornar dependente. Aqueles fumadores que começam a fumar mais tarde, muito depois da adolescência (depois dos 25 anos), têm menos probabilidade de desenvolver dependência e podem manter este padrão. No entanto, em qualquer altura das suas vidas, poderão viver uma circunstância favorável ao aumento do consumo, como, por exemplo, stress mantido, viver e/ou conviver com outros fumadores e ambientes com fumo de tabaco ou, ainda, um episódio de depressão ou desemprego. Assim, nunca nenhum fumador está livre de aumentar o consumo ou de passar a fumar todos os dias. Os fumadores ocasionais ou que fumam menos cigarros têm mais dificuldade em deixar de fumar e sofrem dos mesmos malefícios do que os fumadores pesados. O tabaco é muito tóxico e não há consumo seguro, nem fumar pouco, nem fumar dia sim, dia não. Estudos epidemiológicos recentes que seguiram coortes populacionais de milhares de fumadores, ex-fumadores e não fumadores, ao longo de 18 a 35 anos, quantificando a carga tabágica e a duração do comportamento tabágico, suportam esta evidência científica. Estes estudos concluem que a maior diferença de risco de doença e morte prematura encontra-se entre os não fumadores e os fumadores de 1 a 4 cg/dia. Por outro lado, mesmo os fumadores ocasionais ou que só fumam socialmente podem ser dependentes - dependência psico-social. Alguns fumadores toleram mal fumar muitos cigarros seguidos ou fumar todos os dias. A explicação para estas diferenças é complexa e poderá ser em parte genética, em parte biológica e em parte social. Sabe-se que a dependência tabágica, assim como a rapidez da metabolização da nicotina e a susceptibilidade individual aos malefícios do tabaco, tem algum determinismo genético. Já foram identificados no genoma humano alguns loci responsáveis pelo perfil de fumador, susceptibilidade de doença e até resposta ao tratamento farmacológico para deixar de fumar. No entanto, a sua expressão vai ser influenciada por factores sociais como ser filho de pais fumadores e aprender o papel modelo de pai e/ou mãe fumador, ter amigos fumadores na escola, ter fácil acesso aos cigarros, biológicos como o sexo (as mulheres em regra fumam menos cigarros do que os homens) ou, ainda, ter uma personalidade impulsiva, ansiosa ou emocionalmente instável. A exposição precoce intra-uterina do feto ao fumo de tabaco, se a mãe fumar durante a gravidez e/ou se estiver exposta ao fumo do tabaco ambiental, tem efeitos muito nefastos sobre o desenvolvimento cerebral, aumentando os receptores nicotínicos cerebrais e potencializando o risco do futuro jovem ser um fumador dependente. O cérebro deste bébé vai ficar programado para fumar ou para gostar de fumar e um dia, à experimentação, pela criança ou adolescente, de um cigarro por curiosidade ou imitação do comportamento adulto, facilmente se segue outro cigarro até se estabelecer a dependência. Existem cada vez mais estudos a provar esta relação e daí ser tão importante ensinar as grávidas a não fumar e a se protegerem da exposição ao fumo do tabaco.
Autores:
- Sofia Belo Ravara, Médica Pneumologista, Mestre em Tabagismo, Assistente de Medicina Preventiva, Epidemiologia, Saúde Pública e Comunitária da FCS da UBI. Responsável pela Consulta de Cessação Tabágica do Centro Hospitalar da Cova da Beira, EPE. Membro da Direcção da Sociedade Portuguesa de Tabacologia, Membro da Sociedade Espanhola de Especialistas de Tabagismo. Secretária da Comissão de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.
- José Manuel Calheiros, Médico Internista, Professor Catedrático de Medicina Preventiva, Epidemiologia, Saúde Pública e Comunitária. Director do Serviço de Higiene e Segurança no Trabalho do Centro Hospitalar da Cova da Beira, EPE. Presidente da Sociedade Portuguesa de Tabacologia. Membro da Sociedade Espanhola de Especialistas de Tabagismo.
1 comentário:
"fumadores regulares fumam menos cigarros, por exemplo 1 a 5 cg/dia (12% dos fumadores europeus), outros até podem ter um padrão de consumo intermitente (14% dos fumadores europeus) ou ocasional regular (3% dos fumadores europeus)"... Tendo em conta esta parte do texto gostaria que me explicassem em quantos cigarros se situa um fumador com consumo intermitente e um fumador ocasional regular...
Obrigada!
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